domingo, 24 de julho de 2016

A vida no Reich



            Os nazistas atraíram seus apoiadores por meio de promessas que atenderiam suas necessidades básicas: trabalho e pão. Nem todos os primeiros seguidores de Hitler compartilhavam seu violento antissemitismo, ou consideravam-se de uma raça superior que estava destinada a dominar as nações “inferiores”.
            Em novembro de 1918, a população alemã estava esgotada, desencorajada e buscando um líder capaz de identificar e punir os culpados pela tragédia que se abatera sobre a Alemanha.
            Em 1922-1923, a população viu suas poupanças serem varridas e os salários desvalorizarem tanto, ao ponto de os trabalhadores serem pagos duas vezes por dia, para comprar comida antes que os preços subissem. A sensação de descontrole dominava todos os aspectos do cotidiano alemão. Tornou-se comum ver homens, mulheres e crianças pedindo esmolas ou um pouco de comida.
            Em meio a esse desespero, os nazistas surgem com o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, com a promessa de empregos para os desempregados e ajuda aos mais pobres. Mas deixaram explícito sua intenção de expurgar as instituições comerciais de origem judaica e assim acabar com a “competição desleal”. Prometeram também restaurar o orgulho nacional e rasgar o Tratado de Versalhes exigindo a devolução das terras que ficaram em poder dos aliados na Primeira Guerra Mundial.
            A estratégia era persuadir cada cidadão a acreditar que era seu dever patriótico votar por um programa como aquele.
            Em 1933, o povo alemão estava farto de seus políticos tradicionais que, até ali, não tinham conseguido reerguer a nação e estava disposto a dar uma chance a esses recém chegados que pareciam tão diferentes.

Enquanto o ano de 1931transcorria cheio de dificuldades, com 5 milhões de assalariados sem trabalho, com a classe média enfrentando a ruína, os agricultores impossibilitados de cumprir os pagamentos de suas hipotecas, o Parlamento paralisado, o governo estrebuchando, o presidente idoso e doente rapidamente mergulhando na confusão da sensibilidade, uma confiança de que eles não teriam muito que esperar enchia o peito das cabeças nazistas. (SHIRER, William L. p. 14)

            Para o estudante berlinense Bernt Engelmann, a primeira indicação de que havia algo sinistro por trás dos homens de camisas marrons que distribuíam panfletos pelas ruas veio numa manhã, em maio de 1932. Alguém havia hasteado uma grande bandeira com a suástica no telhado da escola. Um dos professores ordenou que o servente a retirasse, mas ele apenas sorriu e disse não ter a chave da porta que levava ao teto. Dos 450 alunos da escola, cerca de 40 eram simpatizantes do nazismo, e naquela manhã, durante o intervalo alguns alunos vestiram o uniforme da Juventude Hitlerista e espancaram alunos mais novos que eram contra o ideal nazista.
            Os nazistas não pouparam esforços para conquistar os corações e mentes da população, fazendo promessas que não tinham como cumprir e elevando a propaganda a um novo patamar, organizando grandes comícios e desfiles, passando a falsa impressão de popularidade.
            Hitler e Goebbels montaram uma campanha bem estruturada, gastando as últimas reservas do partido e todos os truques publicitários possíveis. Em dez dias, os nazistas realizaram 900 eventos, com Hitler discursando em 16 comícios. Milhares de membros da SA e da SS marcharam pelas ruas gritando palavras de ordem enquanto carros com alto-falantes convocavam a população para voltar. Após 15 dias, o presidente Hindenburg foi persuadido a indicar Hitler como o novo chanceler.
            Horst Kruger, filho de um funcionário público berlinense, testemunhou a euforia com que se saudou a ascensão de Hitler à chancelaria em 1933: “Era uma noite fria de janeiro e havia um desfile à luz de tochas. O locutor do rádio, cujos tons ressoantes estavam mais próximos dos cantos e soluços do que da transmissão de notícias, estava experimentando certamente grandes emoções... Ele repetia algo sobre o redespertar da Alemanha, e sempre acrescentando como um refrão de que agora tudo, tudo seria diferente e melhor e que chegara o tempo da colheita... Uma onda de grandeza parecia cobrir todo o nosso país...”.
            Naquela semana, a impressão era que todas as casas e lojas haviam pendurado bandeiras coma suástica e até as bicicletas das crianças estavam enfeitadas. Parecia que todos estavam incluídos na festa, pelo menos todos os que fossem de etnia alemã.
            Até mesmo alguns judeus tinham a esperança de que o furor antissemita pudesse amenizar agora que o partido estava no poder.
            A miséria, o desemprego e a crise econômica parecia ter sido varrida, foi anunciado um amplo programa de obras públicas e as pessoas estavam confiantes e otimistas.
            A cada conquista territorial, a reputação de Hitler era multiplicada por dez, e ter alcançado ganhos tão significativos sem arrastar o país para uma guerra parecia demonstrar que o Führer havia sido enviado por Deus para reivindicar o que era da Alemanha por direito.
            Os líderes nazistas buscavam cultivar uma imagem de arquitetos de uma nova sociedade sem classes. Garantiram o acesso irrestrito para os membros do partido às universidades, o que antes era um privilégio da elite. Contudo, foi introduzido um limite para o número de estudantes do sexo feminino, não poderia superar 10% do total. O lugar natural das mulheres no Estado nacional-socialista era o de mães abnegadas de bebês arianos, louros e de olhos azuis, um papel resumido no slogan do partido “Kinder, küche und kirche” (crianças, cozinha e igreja). Mesmo assim, 34 mil donas de casa de classe média e de meia-idade haviam ingressado no partido em 1933. Mulheres como Gertrud Scholtz- Klink, de uma lealdade fanática, conhecida como “Führer feminina”, líder da União de Mulheres Alemãs.
            As mulheres solteiras, eram vistas como cidadãs de segunda classe ou Staatsangehöriger (dependentes do Estado), e eram tratadas como os judeus e deficientes mentais.
            Logo após a indicação de Hitler a chancelaria, a nova administração uma política chamada de Gleichschaltung (alinhamento) que obrigou todas as instituições a se moldar à ideologia nazista. Começou pela repressão às organizações da juventude católica, seguida pelo banimento das publicações religiosas, o fechamento de hospitais e colégios católicos e o encarceramento do clero. Até os estudantes do ensino médio foram obrigados a assinar em 1933 uma declaração de fidelidade ao novo regime.
            Enquanto a liderança nazista declarava sua solidariedade ao povo, elaborava leis que prendiam os trabalhadores numa espécie de servidão medieval.
        
Com a Carta de Trabalho (aprovada em janeiro de 1934), por exemplo, a indústria regrediu a um sistema feudal. Logo no segundo parágrafo, afirmava que “o líder da empresa (o patrão) tomava as decisões pelos empregados e trabalhadores”, e estabelecia que “funcionários e trabalhadores devem-lhe fidelidade”. O patrão tinha o poder até mesmo de reter os documentos do trabalhador, caso não quisesse perder o empregado.

            Em maio de 1933, todos os sindicatos foram abolidos e os direitos dos trabalhadores foram regulados pela Frente para o Trabalho.
            A família foi infectada pela ideologia nazista, que doutrinava as crianças voltando-as contra seus pais, e foram feitas até mesmo tentativas de suplantar a religião como uma forma de adoração neopagã que deificava Hitler como o salvador da nação. Foi decretado que os casamentos e funerais deviam ser realizados com a suástica substituindo o crucifixo no altar e preces com o juramento de fidelidade ao Führer. Mesmo antes de os nazistas chegarem ao poder, Hitler havia declarado que a educação das crianças da Alemanha era uma prioridade. Qualquer infração, desvio ou observação desleal por parte dos professores, seriam relatados ao Ministério Federal da Educação, que tinha o objetivo de moldar a educação de acordo com a ideologia nacional-socialista.

                        PRINCÍPIOS EDUCACIONAIS DA NOVA ALEMANHA

·         RAÇA: Compreender as tradições alemãs e despertar a pura, imaculada e honrada consciência do povo.
·         TREINAMENTO MILITAR: A juventude deve estar determinada a defender a pátria com a vida.
·         LIDERANÇA: Deve aceitar a ideia de seguir o Führer sem questionar.
·         RELIGIÃO: Deus e nação são os dois fundamentos da vida.

A História foi literalmente reescrita para enfatizar os aspectos positivos do nacionalismo alemão e para atribuir a culpa pela derrota de 1918 aos bodes expiatórios convenientes, os vingativos vencedores aliados a os judeus.
Também se afirmava explicitamente que o propósito da educação era tornar as jovens alemãs aptas para os deveres do lar: “O objetivo da educação das mulheres deve ser prepara-las para a maternidade”.
            A educação física era a disciplina central, onde a competição era impiedosa, incentivada e recompensada.
            As crianças não arianas, foram excluídas de certas aulas, e no caso de Judy Bentom foi ainda pior, ela foi obrigada a sentar numa classe pintada de amarelo e inscrita: “Aqui senta uma garota judia suja”.
Em 10 de maio de 1933, estudantes de Berlim organizaram a queima pública de livros estigmatizados como “não alemães”.
        
A era de individualismo judaico extremo agora está no fim... O alemão do futuro não será apenas um homem de livros, mas um homem de caráter. É para esse fim que queremos educá-los. Como um jovem, já ter a coragem de encarar o olhar fixo e impiedoso, de superar o medo da morte, e de recuperar o respeito pela morte, essa é a tarefa desta jovem geração. E assim vocês fazem bem nesta hora da meia-noite em lançar nas chamas o espírito ruim do passado. É um ato simbólico forte e grandioso... (GOEBBELS, Josef)

            Cem anos antes, o poeta judeu alemão Heinrich Heine escreveu: “Onde se queimam livros, seres humanos serão inevitavelmente os próximos”.
            O milagre econômico que alguns creditaram a Hitler, foi, de fato, alcançado a um custo considerável. A maioria dos homens foram arregimentados para construir as autobahns (sistema ferroviário), com salários baixíssimo. As mulheres estavam em situação ainda pior, já que não eram reconhecidas como pessoas.
            Dois anos após Hitler se tornar chanceler, os sinais de uma nova ditadura eram claros. Bandeiras com a suástica tremulavam em todos os prédios públicos e meninos usavam uniformes da Juventude Hitlerista.
            A vida diária era acompanhada pelos vigilantes, que monitoravam e reportavam quaisquer infrações para a Gestapo. Ler um jornal estrangeiro se tornou um ato ousado, havia riscos de prisão para quem fosse pego.
            Havia relatos sinistros do que era feito por Goebbels, Rosenberg e Ley em Dachau.
            O nacional-socialismo não era apenas um programa político, mas também um culto que oferecia a cada cidadão leal aquilo que eles haviam sido privados: o amor próprio.
            Nunca se podia ter certeza de que um encontro casual não havia sido arquitetado para pegar alguém de surpresa e tirar algum comentário que pudesse ser usado para provar deslealdade ao regime.
            As leis de Nuremberg de 1935, privaram os judeus de sua cidadania, os proibiam de casar ou manter relações sexuais com gentios.
            A noite do dia 9 de novembro de 1938 ficou conhecida como “Noite dos Cristais”, onde baderneiros nazistas arrasaram lojas de judeus e queimaram sinagogas.    Para os que sofriam de alguma deficiência física ou mental, a vida era terrivelmente cruel. Tudo começou com a esterilização de cegos, surdos, deficientes físicos e os que sofriam de depressão crônica. Nos 4 anos seguintes, foram realizadas 200 mil esterilizações compulsória para matar os “indignos de viver”.
            Foi estabelecida uma “Unidade para Crianças Especiais”, na qual era dada aos pacientes uma injeção letal (morfina-escopolamina), e os pais eram informados de que haviam morrido de causas naturais.
            Em outas unidades de “saúde”, o governo nazista financiava pesquisas em seres humanos, com o mero fim de investigação.
            Para os alemães, a Segunda Guerra não começou com o ronco dos bombardeios, nem ataques aéreos e blecautes. Em vez disso, o primeiro sinal de que a Alemanha estava envolvida em um conflito internacional veio com o rompimento de todas as comunicações com o mundo exterior.
            A partir de 1 de setembro de 1939, nenhuma ligação telefônica podia ser feita para fora do Reich. O rádio era agora, a principal fonte de informação, e todas as transmissões tinham que ser aprovadas por Goebbels.
            A invasão da Polônia não foi um ato de agressão, diziam, mas meramente a Alemanha exercendo sua autoridade para “libertar” os alemães e limpar a Europa das “raças inferiores”.
            Quando a guerra foi declarada, a população teve de se acostumar com o blecaute. Nas comunidades rurais, até os homens mais velhos foram recrutados para o serviço militar.
            Racionamento e escassez eram apenas o começo das inconveniências impostas à dona de casa alemã. Goering anunciou em 1934, a política “armas, não manteiga”, o racionamento declarado só foi oficializado em 1939.
            A escassez de bens, as jornadas maiores de trabalho e a cobrança de mais produtividade eram comuns enquanto as forças alemãs avançavam pela Europa.
            Goering se gabava de que nenhuma bomba aliada cairia sobre Berlim enquanto sua invencível Luftwaffe (força aérea alemã) dominasse os céus e quando isso se mostrou falso, a população começou a perguntar que outras mentiras estavam sendo contadas.
            O clima piorou com os primeiros ataques aéreos às principais cidades alemãs no verão de 1941. O correspondente dos EUA William L. Shirer descreveu a reação de surpresa dos moradores ao primeiro bombardeio da capital, em 26 de agosto: “Os berlinenses estão atônitos. Eles não imaginavam que aquilo poderia ocorrer. Quando essa guerra começou, Goering garantiu-lhes que não poderia (...). Eles acreditaram nele. Sua desilusão hoje, portanto, é ainda maior. Você tem de ver seus rostos para medi-la”.
            Durante o blecaute, casos de estupro e assassinato aumentaram de modo alarmante.
            Na primavera de 1944, o alemão comum estava sem esperanças e tudo que queriam era estar vivo para ver o fim, fosse uma vitória ou uma rendição já não importavam. Desejavam apenas que aquilo terminasse, para poder continuar suas vidas sem a ameaça constante dos bombardeios. Cada jornada do dia era cheia de perigos, principalmente após o Dia D quando os Aliados se viram livres para bombardear transportes civis e militares por toda a Alemanha.
            Noite após noite os Aliados atingiram fábricas de munições e oficinas de avião. Na primavera de 1944, a imprensa alemã continuava a proclamar a vitória em manchetes enormes. Na imprensa alemã, todo recuo era chamado de “retirada estratégica”. A própria menção à possibilidade de derrota já era uma traição.
            “Tanta normalidade quanto possível, tanta guerra quanto necessário”, dizia o slogan nazista daqueles tempos de desespero.
            Durante o curso da Segunda Guerra Mundial, 18 milhões de homens alemães deixaram suas casas para servir nas forças armadas.
            As cartas desenterradas dos arquivos do serviço postal alemão por pesquisadores e historiadores são surpreendentemente pouco emotivas e, em vez disso, focadas em conselhos práticos dados pelos maridos às mulheres, encorajando-as a suportar e ser pacientes até poderem se reunir. Eles pedem aos filhos que não deixem de fazer o dever de casa, que ajudem as mães a se manterem animadas. Poucos conscritos expressavam quaisquer opiniões sobre o regime ou o resultado da guerra nessas cartas para casa, já que todo soldado tinha consciência da censura rígida imposta às correspondências do front.
            Em 13 de fevereiro de 1945, os habitantes de Dresden tinham a esperança de que já tivessem passado pelo pior, porém, por duas noites seguidas, 1250 bombardeiros lançaram 4 mil toneladas de explosivos de alta potência transformando o centro da cidade em um verdadeiro inferno, acabando com a vida de 25 mil civis.
            “O homem que fundou o Terceiro Reich, que o governou de maneira brutal, frequentemente com uma perspicácia fora do comum, que o elevou a patamares vertiginosos e o rebaixou a um fim tão deplorável era uma pessoa de engenhosidade inquestionável, se não cruel. É verdade que ele encontrou no povo alemão, como se uma providência misteriosa e séculos de experiência o tivessem moldado para aquele momento, um instrumento natural, que ele foi capaz de modelar para que se conformasse à sua própria finalidade sinistra.” (William L. Shirer, Ascenção e queda do Terceiro Reich).
            Quando os Aliados ocuparam uma Alemanha vencida na primavera de 1945, eles partilhavam o desejo de punir todos os líderes nazistas e seus seguidores, os quais haviam trazido tanto sofrimento e destruição ao mundo durante os cinco longos anos da guerra recém-terminada.
            O problema era que a tarefa de identificar os nazistas de médio e baixo escalão, depois que eles se livravam de seus uniformes, destruíam todos os documentos incriminadores e mergulhavam no caos de uma sociedade em desagregação, era das mais complexas. Há relatos sobre oficiais nazistas capturados, que perguntavam serenamente onde seriam alojados e eram orientados a seguir na direção de patrulhas que tinham instruções de disparar sem aviso contra soldados inimigos.
            Ainda que Hitler, Himmler e Goebbels cometido suicídio nos dias finais da guerra e muitos oficiais superiores da SS tivessem fugido da Justiça para a América do Sul pelas chamadas ratlines (linhas de rato) do Vaticano, os Aliados tiveram algum sucesso em encaminhar à justiça formal aqueles que consideraram responsáveis por “cometer crimes contra a paz e crimes de guerra” e por iniciar “crimes contra a humanidade”. Em novembro de 1945, eles colocaram 22 dos mais notórios membros da liderança nazista em julgamento público em Nuremberg, entre os quais Hermann Goering, Rudolf Hess, Joachim Von Ribbentrop e Albert Speer. Martin Bormann, secretário particular de Hitler, foi julgado e condenado in absentia (em ausência).
            O 23° acusado, Robert Ley, tirou a própria vida entes de o julgamento começar.
            A justiça foi feita e, mais importante, foi vista sendo feita.
             

            

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